19 de set. de 2010

O fim da VARIG, por Cora Rónai

O fim da Varig

Texto extraído do Blog da Cora Rónai. Trata do fim da VARIG

Podemos começar a enumerar as nossas desgraças a partir da reserva de mercado de informática, que proibia às empresas brasileiras a importação de hardware e
software, mas permitiu às estrangeiras a instalação de equipamentos e programas
de última geração, desenvolvidos a custos milionários em suas nações. Isso
obrigou a Varig a criar uma fábrica de computadores, já que não havia
fornecedores nacionais, dando origem ao que chamamos de Tevar (Terminal Varig)
e, paralelamente, a desenvolver o programa íris para reservas, com estrutura
muito inferior à dos estrangeiros, pela falta de investimentos e de experiência
no ramo.


Outro fator que ninguém parece conhecer (ou querer abordar) foi a abertura dos
nossos céus para as empresas americanas, durante o Governo Collor, com
concessões até hoje não preenchidas no acordo bilateral. Isso permitiu que
empresas gigantescas competissem com a Varig com uma série de vantagens: não
pagavam PIS/Cofins de 6,7% sobre o combustível (que representa 30% dos custos de uma companhia de aviação); o capital de giro custava, para as estrangeiras, 8%
a.a., ao passo que, para a Varig saía a mais de 100% a.a.; os bilhetes eram
taxados em 7,5% nos EUA, em 14% na Europa e, aqui, em 34,7%; os componentes para a manutenção precisavam ser importados com até seis meses de antecedência, tamanha a burocracia, enquanto as estrangeiras compravam no seu próprio mercado, on demand, já que a maioria dos fabricantes ficava em seus países, ou seja, gastava apenas quando precisava, livre da incidência de impostos com que arcávamos. E ainda havia quem acusasse as empresas nacionais de falta de competitividade!


Pouca gente se lembra, também, da criação do EMB 145 Jet Class, jato de pequeno
porte (50 assentos), fabricado pela Embraer. Como a 'Embraer não tinha
experiência com o delineamento destes aviões, pediu à Varig que, através da
participação de seus engenheiros, técnicos, pilotos e outros funcionários,
ajudasse no detalhamento da aeronave, o que foi feito. Finalmente, para que o
produto pudesse ser lançado, era necessário um launching customer. Para
incentivar isso, o antigo DAC editou uma portaria que limitava o mercado do
Santos-Dumont para vôos VDC (vôos diretos aos centros: Brasília, Belo Horizonte,
Vitória, Curitiba, com exceção de Congonhas), apenas para aviões de 50 assentos.


A Varig, através de sua subsidiária Rio-Sul, lastreada nesta portaria,
encomendou os primeiros 16 aviões, participando do início do sucesso desta
aeronave pelo mundo. Cada avião custava em média US$ 140 mil por mês, e o
contrato tinha vigência de seis anos. Acontece que, por pressão da TAM e da
recém-cria-da Gol, a portaria foi cancelada depois de dois anos, permitindo o
acesso de B-737-300 e Airbus ao Santos Dumont, para VDC. Ambos têm mais de 130 assentos, e custavam em torno de US$ 100 mil por mês. À Rio^Sul não foi
permitido o cancelamento do contrato, honrado até o final.


Parece maldade demais com uma única companhia, e é mesmo — mas tem mais. Entre as misérias que afligiram a Varig, concessionária de serviços públicos com
obrigações de empresa estatal, mas funcionando em regime privado, estava o ICMS
indevido cobrado pêlos estados sobre os bilhetes, Já transitado em julgado em
vários estados. Até agora, o Rio de Janeiro foi o único a pagar o que devia, num
montante superior a R$ l bilhão.


E o aerus? Muita gente pensa que este instituto de pensão privada é da Varig,
mas ele foi criado pelo governo sobre três pilares: as patrocinadoras
(empresas), os participantes (empregados) e uma taxa de 3%, cobrada sobre as tarifas nacionais, com vigência de 30 anos, para dar sustentabilidade ao plano.
Após cerca de dez anos, o terceiro pilar (a taxa) foi extinto pelo governo, o
que motivou a saída da TAM do plano. Como a Varig já tinha aproximadamente
quatro mil aposentados assistidos, continuou a fazer parte do instituto, com
todas as dificuldades conhecidas. Este assunto, aliás, é objeto de ação contra a
União. Caso sejam vencedoras as companhias aéreas, estarão resolvidos quase
todos os problemas do Aerus.


Há outras frentes de luta judicial. A mais notória é a da defasagem tarifária,
que se resume ao seguinte: durante o governo Sarney, as tarifas foram
congeladas, sem o correspondente congelamento dos insumos, o que causou enormes prejuízos às empresas brasileiras. A Transbrasil, com causa semelhante, embora com valores menores, já ganhou (e recebeu) mais de R$ 700 milhões. O montante da causa da Varig, se recebido, a tornaria a empresa mais saudável da América Latina.


O mais cruel é perceber que ninguém se importa com o que se gastou na formação
dos mais de 400 pilotos que fornecemos, graciosamente, para as empresas
estrangeiras, que agora os aproveitam sem ter tido o trabalho de formá-los. Sabe
quanto custa a formação de um piloto deste nível? Cerca de meio milhão de
dólares. Ninguém se importa com as divisas que deixamos de receber, da ordem de
um bilhão e duzentos milhões de dólares anuais, assim como ninguém se importa
com os milhares de aposentados e funcionários que ficaram em dificuldades. Isso
sem falar no caos aéreo que se instalou no país, para o qual hoje procuram bodes
expiatórios, mas cuja causa real foi a crise da Varig'.

Blog: cora.blogspot.com. E-maíl: cora@oglobo.com.br