Panair do Brasil >>> VARIG
Existem,
ainda hoje, passados 48 anos, algumas controvérsias a respeito da substituição
da Panair do Brasil pela Varig, em suas linhas internacionais e domésticas.
O que
eu vou narrar, adiante, é o que a mim pessoalmente relatou o Sr. Rubem Berta,
durante um jantar em Madrid, para onde fui designado pelo diretor do tráfego
Sr. Alexander Gate, tendo para lá ido em fevereiro de 1965 e de onde retornei
ao Brasil em julho de 1965.
Eu
havia trabalhado na Panair do Brasil, por 6 anos, antes de ingressar na Varig
em 1956. Trabalhei na loja de passagens da Panair no Rio, onde tive a
oportunidade de conhecer vários chefes e dirigentes da empresa. Entre as pessoas que conheci, uma delas foi o
chamado ‘Melão’ (apelido do irmão mais velho dos Melos). O outro era o Melinho,
que era meu colega da loja do Rio.
Estas
informações são o preâmbulo da minha narrativa, para que vejam que eu não tinha
nem nunca tive qualquer problema e intolerância a respeito da Panair. Inclusive
participei nas reuniões que o pessoal da Panair fazia no Rio, cada 22 de
outubro – data da fundação da empresa – por três vezes, onde reencontrava com
os ex-colegas e ex-dirigentes da Panair, inclusive o Sr. Paulo Sampaio, que foi
o último presidente da empresa, isso após o cancelamento da sua concessão pelo
governo federal.
O que
me relatou o Sr. Rubem Berta, na ocasião, foi o seguinte:
Em
fevereiro de 1965, estando ele no Rio, recebeu do Comandante da Base Aérea do
Santos Dumont um convite para irem a Brasília, no mesmo dia, para uma reunião
com o Ministro da Aeronáutica, o Brigadeiro Eduardo Gomes. Como fazia pouco tempo que o ex-presidente
João Goulart havia solicitado um avião da Varig para levá-lo – em fuga, diziam,
para o Uruguai, o Sr. Berta supôs que parecia repetir-se o fato, já que haviam
escaramuças de nova reviravolta no governo e, ao seu vice-presidente, Erik K.
de Carvalho, solicitou, pelas dúvidas, que mantivesse um jato pronto no Galeão,
com tripulantes e comissária, em prontidão, de forma muito reservada.
Chegando
à Brasília, levado em um jatinho da FAB, foi conduzido ao gabinete do Min. Da
Aeronáutica, que solicitou que o acompanhasse ao palácio do Planalto, onde já o
esperava o presidente Humberto Castello Branco.
Lá foi recebido e iniciado o diálogo.
O Sr. presidente fez-lhe um breve relato da situação operacional da
Panair, apresentou-lhe uma planilha com os vôos da Panair e, após a leitura
pelo Sr. Berta, foi-lhe perguntado se a Varig teria condições de operar aqueles
vôos, sem que nenhum deles fosse cancelado, para não deixar os passageiros da
Panair sem transporte. Isso, segundo o
relato do Sr. Berta, foi em razão de recente problema com a empresa argentina
Transcontinental, que faliu repentinamente e deixou sem transporte na Europa
perto de 400 passageiros.
Temia
o governo que o fato se repetisse com os clientes da Panair que, naquele
momento, embora estivesse com 4 aviões DC-8 em sua frota, apenas 1 (um deles)
estava operando.
Os outros estavam indisponíveis, sendo que um
deles estava sendo canibalizado no Galeão porque a Panair estava sem crédito no
exterior – devia altos valores a fornecedores, que suspenderam as entregas de
peças e componentes. Outro DC-8, que era
arrendado da TWA estava embargado nos EE.UU. por falta de pagamento dos valores
do arrendamento, a pedido judicial da TWA.
O terceiro encontrava-se na base de manutenção em Miami da PanAmerican –
da qual havia a Panair arrendado – sem condições técnicas de operar, já que a
revisão mecânica que fora fazer estava também em suspenso.
Com
esse quadro exposto ao Sr. Berta, foi-lhe feita a consulta acima relatada e lhe
foram dados uns minutos para sua decisão, a seu pedido, pois ele necessitava de
analisar a malha de vôos da Varig em conjunção com os vôos da Panair. Após isto
feito, o Sr. Berta confirmou essa possibilidade e, segundo relatou, o
presidente Castello Branco determinou ao Min. da Aeronáutica e ao do Exterior
já que, também, este ministro havia recebido de várias embaixadas na Europa um
número substancial de queixas de passageiros da Panair que não foram atendidos
conforme contratado com a empresa, que dessem execução à estratégia montada
para aquela operação.
Foi,
como me disse o Sr. Berta, uma operação militar secreta de troca de concessão e
havia o governo aprontado radiogramas às embaixadas brasileiras nos países
envolvidos pela operação, que solicitassem com urgência às autoridades
aeronáuticas locais a substituição da Panair pela Varig, bem como solicitassem
igualmente às companhias aéreas locais total apoio e suporte técnico e comercial
à Varig, nas capitais européias onde iria operar.
Enquanto
o Sr. Berta estava ainda no gabinete do Min. Da Aeronáutica, solicitou a este a
permissão para comunicar à direção da empresa, nas suas diversas diretorias, as
providências necessárias para operar o vôo que seria da Panair, naquela mesma
noite à Paris. Aos diretores da Varig
foi-lhes solicitado o máximo de reserva, não devendo ser divulgado essa ação
até que ele chegasse de volta ao Rio.
Foi
quando, naquela noite, chegando a tripulação da Panair ao aeroporto do Galeão,
fora informada de que a concessão da Panair havia sido cassada por motivos de
segurança e que a Varig iria operar com suas próprias aeronaves. Assim começou
a transferência operacional, com a Varig passando a voar para todos os destinos
internacionais da Panair, tanto na Europa quanto na América do Sul, com algumas
exceções.
Esse
foi o relato que me fez o Sr. Rubem Berta.
Agora, faço o meu, a respeito do que eu pude observar e conhecer, quando
de minha atuação na base de Madrid: para minha surpresa – agradável, por sinal
– era gerente na Espanha o Melão, que foi meu colega da Panair no Rio. Fomos
para a loja da Panair na Calle Jacometrezo para familiarização com os
funcionários e serviços locais.
Era uma loja bastante reduzida para a
importância da localidade, e que tinha apenas três funcionários: a secretária,
o contador e o ‘pau para toda obra’ que atendia na agência e também no
aeroporto. Com o Melão trabalhei durante três dias, quando fui apresentado por
ele a algumas autoridades e pessoas do ramo, como os dirigentes da Ibéria que
estava prestando serviço à Varig.
Contou-me
o Melão (desculpem-me não relembrar o nome dele, já que era conhecido pelo seu
apelido, inclusive em Madrid) que a situação da empresa na Europa era caótica,
pois com um só DC-8 a empresa não conseguia atender às suas linhas e a política
era: recolher os passageiros em apenas 2 capitais escolhidas pelas que
tinham maior número de passageiros! Relatou-me
ainda que, em várias oportunidades, ele ia ao aeroporto assistir e gerenciar o
desembarque/embarque dos passageiros e recebia à última hora um radiograma da
tripulação do vôo envolvido informando que aquele vôo não iria fazer escala naquele
aeroporto pelo número reduzido de passageiros. Depois era um inferno conformar
os irados passageiros.
Segundo ainda o Melão, a cada dia 20/25 do mês
era visitado pelo então diretor Tesoureiro da Panair, Sr. Mário Henrique
Simonsen, que com ele estudava o movimento financeiro, seus compromissos
inadiáveis e o saldo, caso houvesse, era enviado à conta particular do Sr.
Simonsen em Nova Iorque, já que ele havia prestado fiança para garantir o
pagamento das contas mais importantes da Panair – por incrível que isso possa
parecer – era ele, com seu prestígio financeiro nos bancos americanos, que
estava segurando o que podia, nas finanças da Panair. Esta mesma operação era
realizada em todas as cidades que a Panair operava na Europa.
Enquanto
eu permaneci em Madrid, as instruções recebidas eram que ‘nenhum passageiro da
Panair com bilhete de volta ao país de origem, ficasse sem transporte’. A Varig assumiu o transporte de todos, dentro
de suas linhas e até o limite de seus destinos.
Alguns passageiros que se apresentavam na loja de passagens, tinham
marcas em seus bilhetes de que lhes haviam dado um desconto no valor oficial da
viagem, embora o valor oficial fosse o mencionado no bilhete, o que era uma
transgressão às normas da Associação Internacional do Transporte Aéreo (sigla:
IATA). Também esses, após consulta à
Mariz da Varig, foram transportados aos pontos de origem, desde que dentro das
linhas da Varig. Os trechos que faltassem
para chegarem ao seu destino final, teriam de ser bancados pelos passageiros.
Assim foi o acordo com o governo, que nos informaram da diretoria no Rio, após
nossa consulta.
Quanto
às operações iniciais na Europa, as companhias aéreas locais (no caso de
Madrid, a Ibéria) prestaram os serviços solicitados, sem restrições, o que
resultou em um serviço sem reclamações dos passageiros transportados, a não ser
daqueles que possuíam destino fora da linha da Varig, como era o caso de
Assunção, Paraguai e Santiago, Chile.
Como
uma das minhas funções era estabelecer relacionamento com os diplomatas
brasileiros em Madrid.
Pude
conversar longamente como o embaixador e com o cônsul, que me relataram queixas
em grande número recebidas dos contrariados passageiros da Panair, o que,
logicamente, era reportado ao Ministério do Exterior em Brasília. Daí para a
Presidência, formou-se um dossiê com os problemas que estavam acontecendo com a
Panair,o que veio a reforçar a decisão governamental.
Depois
de constituída a consolidação dos serviços, mais funcionários além do contrato
de aluguel de uma loja condigna no edifício do Hotel Plaza, onde se
concentravam as principais companhias aéreas e encaminhada a sua decoração com
o setor respectivo da Varig, sob o comando do Sr. Machado, regressei para novas
funções ao Brasil.
Isso
é o que tenho a relatar a respeito da transferência da concessão de tráfego
internacional da Panair para a Varig, que, segundo dito acima existe algumas
reações e interpretações que conduzem ao pensamento de que isso foi uma obra
irregular do governo brasileiro na época.
Conscientemente
declaro o acima citado, constituir-se na pura verdade.
Fernando Moraes Pereira Porto Alegre, 4 de
agosto de 2013